quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Polícia prende médica no Evangélico

Chefe da UTI de um dos maiores hospitais de Curitiba é detida em operação que apura as circunstâncias da morte de pacientes A morte suspeita de pacientes colocou o Hospital Universitário Evangélico de Curitiba no centro de um novo escândalo. Policiais civis do Núcleo de Repressão aos Crimes Contra a Saúde (Nucrisa) realizaram ontem uma operação que resultou na prisão temporária da médica responsável pela Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital e na apreensão de documentos. Trata-se de mais um capítulo da crise que afeta em cheio a credibilidade da maior instituição hospitalar privada e filantrópica do Paraná. As acusações que recaem sobre o Evangélico e a médica Virgínia Soares de Souza – detida provisoriamente por 30 dias – não foram detalhadas sob alegação de que o caso corre em segredo de Justiça. A delegada titular do Nucrisa, Paula Brisola, informou apenas que as investigações começaram há um ano, com base em denúncias dos próprios funcionários do hospital. Segundo ela, aproximadamente 30 profissionais da UTI do Evangélico serão ouvidos hoje. A delegada disse ainda que a médica trabalha na instituição há 20 anos. Após prestar depoimento, à tarde, Virgínia foi transferida para o Centro de Triagem I, em Curitiba. Pela manhã, funcionários do Evangélico – que não quiseram se identificar – relataram que cerca de dez policiais estiveram no estabelecimento de saúde. Eles entraram pela portaria do setor de Nutrição e foram para a UTI Geral, no 4.º andar. Dois policiais saíram do hospital com envelopes de documentos, acompanhados de um médico – que não estava algemado. O Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção à Saúde Pública – divisão do Ministério Público do Paraná (MP) – acompanhou a operação. Histórico Há aproximadamente um ano, o jornal Tribuna do Paraná noticiou algumas mortes que ocorreram dentro do Hospital Evangélico e que levantaram suspeitas entre os familiares das vítimas. Na época, a instituição alegou que não havia recebido reclamações a respeito na ouvidoria e que o acesso aos prontuários só poderia ser feito por via legal, por se tratar de caso de sigilo médico. Em agosto de 2012, outra morte ocorrida no hospital ganhou repercussão. João Carlos Siqueira Rodrigues, então com 38 anos, que estava internado no hospital havia quatro anos, morreu por falta de ventilação. Ele ficou conhecido ao escrever um livro, O Caçador de Lembranças, durante o internamento. A família suspeitou de negligência e o hospital instaurou uma sindicância, que, em outubro passado, concluiu que houve falha médica. Na época, o Nucrisa e o MP anunciaram que iriam investigar o caso. Em entrevista à Gazeta do Povo, Pedro Rodrigues, 69 anos, pai de João, afirmou que o caso continua sendo investigado pelo MP. “Já ouviram mais de 40 pessoas. O hospital falou que a culpa era de uma enfermeira que tinha desligado o equipamento. Mas a enfermeira declarou que não ia assumir a culpa sozinha, disse que estava recebendo ordens de uma médica”, relatou. “Uma pessoa íntegra e correta”, defende colega A única vez em que o médico Manuel Ruedas Guerrero ficou tão chocado com a notícia de uma prisão foi quando uma professora do curso de Medicina da UFPR foi detida no momento em que chegava ao IML com um pedaço de coração para dar uma aula e foi acusada de tráfico de órgãos. A outra foi ontem com a notícia da prisão da médica e colega Virgínia Soares de Souza, com quem trabalha no Evangélico desde meados da década de 1980. “A Virgínia tem muitos defeitos, é boca dura, xinga todo mundo, mas essas acusações contra ela são estapafúrdias”, diz. Ele conta que a médica tinha uma grande preocupação em salvar a vida dos pacientes e não media esforços para fazê-lo. “Sempre foi uma pessoa íntegra e correta”, diz. Ele conta que tem uma lista de pacientes que foram tratados em conjunto e que muitos até hoje procuram a médica para agradecê-la. Paciente salvo Esse é o caso da supervisora Lucilda Aparecida de Paula Carneiro, 47 anos. Em março de 2011, seu filho Alberto Carlos, aos 25 anos, caiu de um andaime e quebrou uma perna. Por um erro médico, não passou por cirurgia e foi liberado com a perna engessada pelo próprio Evangélico. Resultado: voltou ao hospital dois dias depois da alta, com um grave quadro de embolia pulmonar. Alberto passou 17 dias na UTI, sob os cuidados da doutora Virgínia. “Ela trabalhou muito no caso dele, jamais deixava o paciente sozinho e sempre falava com a família”, diz. Ela conta, que no 18.º dia, ele deixou a UTI, mas passou outros dez dias em observação e deixou o hospital de cadeira de rodas. Em dezembro daquele ano, ele voltou a andar. “Devo a vida do meu filho a ela.” “Suspeita é equívoco”, afirma advogado O advogado Elias Mattar Assad diz que a suspeita levantada contra a médica Virgínia Soares de Souza é “um equívoco”. Segundo ele, interpretações errôneas de termos médicos que a intensivista utiliza no cotidiano do trabalho podem ter gerado algum mal entendido. “Deve ser alguma coisa que ela falou como ‘vai suspender o oxigênio para ver se o paciente vai respirar sozinho’, e nisso passou algum enfermeiro que pode ter achado que o desligamento era para matar o paciente”, afirma Assad, que assumiu a defesa da acusada. Segundo o advogado, a médica – que está em uma ala especial do Centro de Triagem I, em Curitiba – não está preocupada com a suspeita. “Ela está bem, bem instaladinha. Ela está bem tranquila e disse que tudo não passa de um equívoco”, informa. Assad afirma ainda que vai começar a estudar hoje o inquérito que apura a possível conduta ilícita de Virgínia e, assim que possível, ver as possibilidades de ingressar com um pedido de liberdade. “Ação médica era imprópria, diz enfermeiro Enfermeiros que trabalharam no Evangélico e pediram para não ser identificados relatam que iniciativas médicas que ocorriam dentro da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital não eram adequadas. Em depoimento à Gazeta do Povo, alguns deles dizem que já tinham tentado denunciar ao Ministério Público o que consideravam abuso por parte da chefe da UTI, Virgínia Soares de Souza. “Mas tinha que dar o nome e assinar. Eu não podia fazer isso, mesmo depois de sair de lá. Ainda estava esperando o pagamento de salários atrasados, não podia correr o risco de me expor desse jeito”, relatou um deles. “Ainda bem que uma boa alma teve a coragem de levar isso para frente. É preciso investigar isso mesmo.”

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