terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Câmara não explica o sumiço de 406t de papel para imprimir o jornal da Casa

Auditoria do TC conclui que falta papel para justificar a impressão de todos os 10 milhões de exemplares que o Legislativo de Curitiba alega ter distribuído A auditoria do Tribunal de Contas do Paraná (TC) que investigou os gastos com publicidade da Câmara de Curitiba concluiu que faltaram pelo menos 406 toneladas de papel para produzir os quase 10 milhões de exemplares do jornal Câmara em Ação que a Casa alega ter distribuído à população entre 2006 e 2011. Além disso, segundo o relatório preliminar da auditoria, a microfilmagem dos cheques destinados ao pagamento da gráfica responsável por imprimir o jornal indica R$ 6 milhões a menos do que foi registrado em notas fiscais, que totalizaram R$ 12 milhões. O relatório não aponta para onde foram os R$ 6 milhões que faltam. O informe Câmara em Ação, pago com dinheiro do Legislativo municipal e no qual eram divulgados os atos da Casa e dos vereadores, consumiu R$ 4 de cada R$ 10 gastos com comunicação pela Câmara entre 2006 e 2011. Desde que as suspeitas de irregularidades no uso da verba da publicidade surgiram, em meados de 2011, havia questionamentos sobre o Câmara em Ação – jornal que teoricamente teria de ter tido ampla divulgação, mas que poucas pessoas alegavam ter visto. Receita Federal Técnicos do TC conseguiram descobrir a falta de 406 toneladas porque o papel usado para a impressão de jornais e revistas é isento de impostos. Para evitar abusos, a Receita Federal faz um rigoroso controle das aquisições de papel pelas gráficas. A auditoria do TC contou com a colaboração da Receita para levantar essas informações, que foram cruzadas com a quantidade de papel necessária para rodar os exemplares do Câmara em Ação. O TC ainda requisitou um exemplar de cada edição do jornal e a Câmara “teve dificuldade” em cumprir a exigência. Não foram encontrados na Câmara, na agência Visão Publicidade ou na gráfica Idealgraf (responsável pelo serviço de impressão), arquivos que pudessem comprovar que os informes foram impressos. A Visão foi uma das duas empresas que administraram a verba de comunicação do Legislativo municipal entre 2006 e 2011; ela era responsável pelo jornal. “Indagado, o responsável pela gráfica não conseguiu apresentar qualquer prova de correspondências ou e-mails que demonstrassem o recebimento da ‘matriz’ para impressão”, destaca o relatório. “Os itens aqui relatados indicam que a agência Visão, a Câmara Municipal e as gráficas subcontratadas não conseguiram demonstrar de forma cabal os mais elementares requisitos de provas necessárias à comprovação da efetiva existência e veiculação do informativo Câmara em Ação”, conclui a auditoria. O relatório do TC ainda informa que os responsáveis pela distribuição do jornal não souberam indicar nem sequer um nome de entregador do informe para a população. Outro problema é que foram apresentados ao TC orçamentos de várias gráficas para prestar o serviço de impressão do informativo, indicando haver a busca pelo menor preço. Mas, procuradas pelos técnicos do tribunal, essas gráficas não reconheceram assinaturas ou valores presentes nos orçamentos. O relatório aponta “indícios de que poderia ter havido simulação” nos orçamentos. Por exemplo: assinaturas semelhantes em propostas de preços de empresas diferentes. Próximos passos O trabalho feito pelos auditores do TC ainda precisa ser avaliado e julgado pelos conselheiros do tribunal. Os envolvidos terão direito a apresentar argumento em defesa. Em princípio, eles são considerados solidários no ressarcimento do dinheiro, mas somente após o julgamento final do caso é que será definido quanto caberá a cada parte. O relatório pede a devolução de R$ 29 milhões aos cofres públicos. O papel O papel para a impressão de jornais e revistas é isento de impostos. Para evitar abusos e desvios de uso, a Receita Federal faz um rigoroso controle das aquisições de papel. Sendo assim, as compras feitas pela gráfica Idealgraf, responsável pelo Câmara em Ação, ficaram registradas na Receita. Aos buscar informações sobre as compras, os técnicos do TC identificaram a entrada de 708 toneladas de papel couchet 170g – tipo de material escolhido para a impressão do informe. Ao pesar edições do Câmara em Ação para calcular qual deveria ser a quantidade de papel a ser usada nas impressões, a conta apontou que um exemplar de 20 páginas representaria 105 gramas. O peso unitário sobe para 120 gramas levando em consideração as chamadas “quebras”, que são os gastos com papel no início e no fim da impressão até que as máquinas sejam acertadas de acordo com a qualidade impressa esperada. Para a impressão dos quase 10 milhões de exemplares seriam necessárias 1.100 toneladas. Considerando que a Idealgraf não tenha usado o couchet 170g para nenhum outro cliente, ainda assim faltaram 406 toneladas para alcançar a quantidade suficiente para imprimir o número alegado pela Câmara Municipal. Os pagamentos Com a microfilmagem dos cheques da agência Visão Publicidade, foi possível encontrar apenas R$ 6 milhões em pagamentos dos R$ 12 milhões que teriam sido pagos à Idealgraf. Os valores supostamente gastos em impressão tampouco batem com as notas fiscais apresentadas. Alegando extravio em consequência de uma mudança de endereço, nem mesmo todas as notas foram entregues ao TC. A Idealgraf informou que recebia os pagamentos em duas vezes e em cheque. Além da “surpresa” do TC com o fato de todos os pagamentos terem sido feitos em cheque nominal, e não por transação bancária, a microfilmagem apontou que os cheques foram endossados e liquidados sem depósito, tratados como saque em espécie. Mais de 80% dos saques se davam por meio de cheques com valores abaixo de R$ 5 mil. A distribuição O TC pediu informações a um dos sócios da agência Visão Publicidade, Luiz Eduardo Gluck Turkiewicz, sobre como acontecia a suposta distribuição do informe Câmara em Ação. Em declarações gravadas, Turkiewicz afirmou que “uma piazada” fazia a entrega em diversos pontos da cidade. Seriam meninos que não tiveram registro profissional, contratados informalmente, com pagamento por dia, recebendo R$ 20 para entregar mil jornais. Ainda segundo o sócio, os contratados não assinavam recibo. A rotatividade era alta. Os rapazes, conta Turkiewicz, arranjavam emprego fixo e eram substituídos. Contudo, sempre oito meninos estariam trabalhando mensalmente na distribuição. Ele não soube indicar nome ou contato de nenhum dos entregadores ou como acontecia o recrutamento. O relatório sustenta que é frágil “a comprovação da efetiva distribuição”. Os orçamentos Em 15 orçamentos apresentados por quatro gráficas diferentes para imprimir o informativo, as assinaturas eram semelhantes. Para verificar a veracidade dos documentos, o TC questionou as empresas e recebeu respostas negando a existência dos orçamentos. José Guilherme Testa, da Gráfica Capital Ltda, declarou que “de todos os orçamentos apresentados, confirmamos a veracidade apenas de um”. Situação semelhante é relatada por Fatima Luzia Cardoso Farias, responsável pela Apta Gráfica Editora Ltda, que admite ter encaminhado apenas duas propostas de preço e nega a autoria dos orçamentos entregues entre maio de 2006 e maio de 2010. Os representantes das gráficas Burbello e Optagraf também não reconheceram documentos ou assinaturas. Para o TC, a negativa dos orçamentos é “fato grave”, que é indício de favorecimento à Idealgraf.

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