sábado, 12 de maio de 2012

STF se prepara para julgar flexibilizações da Lei Seca

O Supremo Tribunal Federal (STF) julga no próximo semestre a constitucionalidade de pelo menos dois pontos polêmicos da Lei Seca: a criminalização de quem dirige sob efeito do álcool e o comércio de bebidas alcoólicas nas margens de rodovias. O STF votará uma Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel), que questiona ainda a utilização dos bafômetros.
Antes de a corte julgar o caso, o ministro Luiz Fux convocou audiências públicas para levantar elementos científicos e técnicos sobre as implicações de dirigir embriagado. A última delas será realizada na próxima segunda-feira com a explanação de 11 especialistas.

Posição
Entidades defendem rigidez na lei e mais fiscalização
O representante do Conselho Regional de Medicina do Paraná, psiquiatra Marcos Bessa, que vai se pronunciar no Supremo nesta segunda-feira, considera que tornar pontos importantes da Lei Seca inconstitucionais é um retrocesso ao país. “A lei é boa e não pode ser revogada. Qualquer índice de álcool no organismo muda a capacidade motora e de reflexos da pessoa”, ressalta.
Segundo ele, é essencial que o país invista em programas educativos sobre o tema. “Isso deve acontecer desde o período escolar. A vida em sociedade implica que as pessoas obedeçam a certas regras. A lei não proíbe ninguém de beber. Só impede de dirigir depois”, enfatiza Bessa.
O presidente da regional do Paraná da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Jacks Szymanski, avalia que a atual legislação tem suas falhas e não consegue punir criminalmente todos os motoristas embriagados. “Há a necessidade de uma lei mais rígida”, diz.
Um dos principais pontos que precisa ser melhorado é a fiscalização. “O Brasil tem dimensões continentais. É difícil fazer a fiscalização total do país, mas mesmo assim é necessário que se invista mais nesse ponto”, ressalta.
Sugestões
A Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel) lista algumas ideias que poderiam reduzir o número de acidentes causados pela ingestão de álcool:
Programas de conscientização: o trabalho poderia ser financiado com um porcentual incidente sobre a venda de bebidas alcoólicas.
Preparo de policiais: treinamento para detectar o nível perigoso de álcool no sangue, substituindo o bafômetro, que segundo a entidade, é ineficaz.
Punição civil: causadores de acidentes de trânsito deveriam ressarcir o erário público. Para tanto, os bens do infrator seriam colocados em indisponibilidade até o ressarcimento do prejuízo.
Fiscalização mais rigorosa: ampliar e ser mais rigoroso com motoristas de ônibus e caminhões, bem como como motoristas menores de 20 anos de idade.
Flexibilização
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.
A Abrasel questiona o artigo da lei que proíbe a venda de bebidas perto de rodovias. Segundo a entidade, isso contraria o princípio da isonomia, que estabelece que todos têm direitos iguais. Também acredita ser inconstitucional a adoção de uma única graduação alcoólica (a partir de 6 decigramas por litro de sangue) como prova de que o condutor está embriagado.
Segundo o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, a lei é intolerante ao estipular a criminalização da direção com índice superior a 6 decigramas por litro de sangue. “Qualquer concentração de álcool no sangue gera penalidades: você toma um brinde e torna-se um delinquente administrativo; com dois ou três chopes, torna-se um delinquente penal”. Ele afirma que a punição só deveria ser aplicada a quem dirige de forma irresponsável, que coloque em risco a vida de terceiros.
Outra crítica da entidade recai sobre o uso do bafômetro, pois ele induz o cidadão a produzir provas contra si próprio, o que viola princípios de direito penal. Além disso, mesmo que o motorista se negue a fazer o teste, ele responde administrativamente por dirigir alcoolizado, o que gera uma infração gravíssima com multa de R$ 957 e apreensão da carteira de habilitação. “É praticamente uma forma de obrigar o cidadão a fazer o teste”, diz Solmucci. Ele afirma ainda que o valor da multa é muito elevado. “Essas pessoas têm de desembolsar um valor que fere o princípio de razoabilidade. É uma quantia desproporcional à realidade brasileira”, diz.
Direito à vida
Já o promotor público Sérgio Luiz Cordoni não só defende a validade da legislação atual como também considera que os exames de bafômetro ou de sangue teriam de ser obrigatórios. “Defendo que o direito à vida é muito superior ao direito de ficar calado”.
Ele também salienta que o valor alto da multa é necessário. “No Brasil as pessoas só aprendem com medidas punitivas, que no futuro se transformam em medidas educativas”, ressalta.
A presidente da Comissão de Direito de Trânsito da OAB-PR, Gisele Barioni, explica que dificilmente a lei vai retroagir caso alguns pontos sejam considerados inconstitucionais pelo STF, ou seja, as punições aplicadas no transcorrer da Lei Seca continuariam válidas. “Quanto ao julgamento, é difícil fazer uma previsão. Tende a ser uma votação acirrada”, avalia.
Projeto de lei mais rigorosa está no Senado
Já foi aprovado na Câmara dos Deputados um projeto de lei que amplia a possibilidade de provas de condução de veículos sob efeito do álcool. A proposta pode dobrar o valor da multa e elevar para R$ 3,8 mil a penalização em caso de reincidência dentro de 12 meses. O projeto tramita agora no Senado Federal.
A intenção do texto aprovado na Câmara é permitir que outras provas, como o uso de vídeos e prova testemunhal, possam comprovar a embriaguez ao volante. Em relação à multa para quem dirigir sob efeito de álcool, o valor subiria de R$ 957,70 para R$ 1.915,40. A multa pode chegar a R$ 3.830,80 em caso de reincidência em um período de 12 meses.
A presidente da Comissão de Direito de Trânsito da OAB-PR, Gisele Barioni, explica que enquanto for válida a legislação atual exames de sangue e bafômetro são os únicos caminhos para verificar a embriaguez. “Isso porque a lei estipula um número, os 6 decigramas por litro de sangue. Visualmente não há como afirmar a quantidade precisa de álcool ingerida pelo cidadão”, afirma.
Ela afirma que o simples fato de a pessoa se recusar a fazer qualquer exame já poderia caracterizar que o cidadão bebeu antes de dirigir. “Desse modo a pessoa poderia responder não só administrativamente, mas também criminalmente”, afirma.
O promotor público Sérgio Luiz Cordoni é ainda mais enfático. Para ele, a lei teria de ser radical e proibir completamente o consumo de bebidas alcoólicas por motoristas. “Além disso, exames clínicos poderiam diagnosticar o uso de álcool”. O ministro Luiz Fux, relator da ação que questiona a constitucionalidade da Lei Seca no STF, já anunciou que é adepto à tese da tolerância zero quanto à relação entre a ingestão de álcool e a direção.
Ir e vir
O presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, defende que a lei possa ser mais severa. “Mas para isso tem de acabar com o uso de bafômetros e fazer uso de provas testemunhais. No entanto, isso não justifica o aumento da multa”, rebate. Segundo ele, a pessoa não pode ser abordada em qualquer blitz por suspeita de estar embriagada. “Isso fere o direito de ir e vir. A pessoa precisa dar indícios de que está conduzindo o veículo de forma que coloque em risco a vida das demais pessoas”.

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